segunda-feira, 21 de julho de 2014

a vida de Filinto

Era uma vez um menino chamado Filinto. Cara afiada, olhos pestanudos e esbugalhados do choro compulsivo e pungente. Cheio de ranho e lágrimas. Voz esganiçada, mas bem colocada, convenientemente entrecortada pelos soluços. Bem audível nas queixinhas dos colegas e do irmão mais velho, que ficava com o rabo a arder dos açoites pelos vidros da janela, que não partiu, o candeeiro da sala, que não fez cair, a televisão, que não estragou, os brinquedos, que não desmanchou, a roupa, que não rasgou... Só os professores não passavam a mão na cabeça do Filinto, que lhes limava a paciência.
E o Filinto cresceu. Fez-se corpo de homem. A cara ainda é afiada e os olhos esbugalhados, mas já não grita. Agora sussurra, de rabo espichado, espiando os colegas e os vizinhos. O que está bem, para ele está sempre mal e só ele é que sabe. Gosta de avaliar. Julgar. Ditar. Escolher. Depois é vê-lo de espinha curvada em 90 graus quando fala com o chefe. Mãos postas em oração e voz pausada e aduladora, fazendo queixinhas. Fez-se corpo de homem com mérito na mediocridade. Assim é o Filinto.
Qualquer dia chega a ministro.